Basalt
É com enorme
honra e satisfação que o VIOLENT NOISE realiza uma conversa com o pessoal do
BASALT. Para quem ainda não os conhece, estamos falando de uma banda que tem
uma sonoridade bastante peculiar. Trata-se de um quinteto de São Paulo que
executa uma música densa e mistura gêneros como Doom Metal, Sludge e
Post-Metal. Pedro (guitarra) e Marcelo (voz) falaram sobre o surgimento da
banda, o cenário Underground, lançamento do primeiro Full e outros aspectos
interessantes.
Confiram a
entrevista e não deixem de apoiar a banda e o nosso Underground.
O BASALT iniciou
as atividades em 2015. Como surgiu a ideia de formar a banda?
Pedro: Eu vinha conversando com o Luiz a respeito
de montar uma banda havia algum tempo. Eu tinha uma banda de Doom mais psicodélico,
o Magzilla, e queria encaixar outras idéias em algum outro projeto e ele já não
estava mais no Meant to Suffer na época, e queria montar uma banda com uma sonoridade
diferente do Grindcore. E na verdade, o Luiz acabou sendo uma peça central
nesse início. Ele chamou o Marcelo, que eu mal conhecia, mas já sabia da
potência da criança por ter visto alguns shows do O Cúmplice. Encontrou também
o Victor querendo montar uma banda com uma proposta que batia com a nossa e,
por fim, o Marcelo trouxe o Cuca, nosso primeiro baixista, que hoje toca no
Rastilho. No final das contas estávamos todos caminhando para um lado parecido
e logo no primeiro ensaio que fizemos isso já ficou claro.
De onde surgiu
inspiração para o nome?
Marcelo: Nomear qualquer coisa é muito difícil.
Ainda mais com toda possibilidade, com os diversos idiomas. Além disso, existe
outra questão: a quantidade imensa de bandas que já escolheu nomes que tenham a
ver com o “estilo”. Com BASALT não é diferente. Existem outros mundo afora, e
hoje isso me preocupa bem menos do que antes. Conforme íamos compondo e
escrevendo, as músicas iam criando uma “atmosfera” se é que posso falar assim.
Acho que sem intenção, um “clima” pesado, intenso e obscuro ia surgindo e sendo
transmitido através da música. As estruturas musicais sempre foram mais
abertas, sem muita obrigação de ser “coerente” a um modelo ou um estilo. Os
elementos vão aparecendo e se vão funcionando eles vão sendo aplicados e
agregados nas músicas. Por isso que, ao mesmo tempo em que são muito parecidas,
são muito diferentes entre si.
Quando começamos
a escrever juntos, muitas vezes me peguei pensando no quanto a “escuridão”
moral, espiritual, existencial do ser humano vem sendo explorada, na música, na
literatura, no cinema. Nossas letras são muito metafóricas, tem uma simbologia
própria para que cada um que se preste a fazer uma interpretação, conclua algo
por si. E algumas delas já estavam sendo trabalhadas antes de fecharmos o nome
da banda em definitivo. Foi juntando essas percepções que pensei no quanto as
rochas basálticas são uma metáfora interessante. São negras, pesadas, densas,
extremamente antigas, vêm das profundezas da terra. São amorfas, e junto de
outros elementos criam outras rochas. E isso tem muito e nada a ver com a
natureza humana, um geomorfismo para entender a essência humana em seus
defeitos e falhas.
Grande parte dos
grupos nacionais escolheu o inglês para cantar. Ao contrário disso, vocês
optaram por cantar em português. Por qual motivo? Acreditam que cantando em
nosso idioma, a penetração no mercado internacional seja mais limitada?
Marcelo: Antes de tudo, ao escrever, gosto de ter
domínio do idioma. Eu não me sinto confortável com o inglês, me faltaria
vocabulário, minha pronúncia é ruim, sou péssimo na gramática também. Dito
isso, eu sinto que não seria capaz de criar jogos de palavras em uma língua que
eu não domine. Para mim, a letra de uma música é a expressão de um sentimento,
de uma mensagem e também uma construção artística. Para outros pode não ser
nada disso, e não há um problema. Falo isso em uma percepção estritamente
pessoal. Venho mantendo isso, desde as primeiras bandas que toquei lá pelos
anos 90, e acho que hoje tenho essa ideia bem amadurecida.
Penso também que
existe algo de profundo em qualquer idioma que é a relação do campo escrito com
a cultura ao redor e, pensando assim, ao escrever noutro idioma, eu perderia
muitas associações possíveis. Como não sou falante nativo de outro idioma, com
as minhas deficiências, eu teria de fazer aquele jogo mental de compor uma
ideia e “traduzir”. E tradução por si é uma nova escrita, uma transposição para
interpretação de outra.
O português, a
meu ver, é um idioma riquíssimo de ser explorado. Tiro muito do que escrevo de
minhas experiências e de leituras que tive no correr da vida. A literatura
nesse idioma é imensa, pense nesses autores: Saramago, Machado de Assis, Mia
Couto, Eça de Queiroz, Graciliano Ramos, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa,
Camões, Pepetela, José Luandino... Existe uma poética, uma melancolia, uma
fluidez de palavras, uma tristeza e solidão que creio, só a língua portuguesa
tem. Outros idiomas devem ter, mas vivem à sua maneira diferente de nós. Não
quero parecer prepotente ou “artista” demais. Além do mais, também não sou
linguista, mas sou apaixonado por nosso idioma, os diferentes sotaques,
expressões, tudo isso me interessa. As palavras são vivas, frutos do tempo e
das sociedades, gosto de pesquisar, de entender suas raízes, de onde vêm.
Não acho que isso
seja um impedidor. A música subterrânea teve seus momentos nos holofotes, mas
também tem sua própria rede de atuação, que me interessa muito e parece ser
mais aberta. Acredito que além do “mercado”, as próprias pessoas parecem estar
mais abertas, pois estamos expostos a referências mais amplas. E acredito
também que exista espaço para as bandas que escolham o próprio idioma, Sinistro
(Portugal), Celeste (França), Sólstafir (Islândia), são exemplos de que o
idioma acaba dando também uma identidade a mais na música que uma banda pode
fazer. Por fim, acredito também que uma banda opta por cantar inglês por
estética, por sentir-se confortável, por ter referenciais naquela língua. Acho
que atualmente não é mais uma questão de “mercado”, pois para muitos a
globalização tem fatores culturais terríveis, mas um que posso dizer que,
acredito ser positivo, é de perceber que é possível fazer música extrema de
qualquer forma, em qualquer idioma e isso não ser impeditivo para nada.
Como se dá o
processo de criação das composições e das letras?
Marcelo: Sobre as letras, eu costumo escrever
sempre, tenho cadernos e blocos de nota no trabalho, na mochila e em casa. A
inspiração vem de tudo, do meu estado de humor, das transformações sociais, das
relações humanas, da política, dos questionamentos sobre a existência, as
respostas que não vêm quando precisamos, de uma percepção e da falta de
propósito de muito do que vivemos. Por vezes escrevo algumas linhas, noutras
faço partes mais longas. Depois nos ensaios, tento trabalhar como encaixar no
instrumental. O caminho inverso também ocorre. O instrumental ficar pronto e eu
escrever uma letra para ele. Por conta disso, gravo quase todos ensaios e ouço
sempre as músicas nos diferentes estágios de composição.
Pedro: Normalmente eu levo um embrião com um
certo nível de estrutura para a parte instrumental das músicas e a gente trabalha
os ritmos, dobras e passagens nos ensaios. É nesse ponto que a música de fato aparece.
Como essas idéias surgem e vão embora com uma velocidade absurda, eu tenho o
hábito de gravar tudo em casa mesmo. Dessa forma a gente também consegue formular
uma parte das idéias separadamente e, quando chegamos no ensaio, já temos uma noção
do que pode encaixar em cada parte.
Vocês lançaram
"O Coração Negro da Terra" e depois o "Atlântico", um Split
com o pessoal do Redemptus. Quais as repercussões destas obras na carreira da banda?
Marcelo: Mais do que qualquer repercussão externa, seja
junto ao público ou à imprensa, por exemplo, essas primeiras gravações foram
muito importantes para todo mundo da banda se conhecer melhor sonoramente e
evoluir nesse sentido, até porque foi tudo muito rápido, já que começamos a
tocar por volta do meio de 2015. Como nossos primeiros registros, os discos
representam muito bem os diferentes momentos do Basalt e nos ajudaram a chegar
a mais pessoas e nos conectar com outras bandas que pensam a música de maneira
parecida, como é o caso do próprio Redemptus, com quem lançamos o split, e
outras bandas do Brasil.
Pedro: Pegando o gancho do que o Marcelo falou, acho que o importante desses diferentes momentos é conseguir variar, mas sem parecer uma colagem de influências, fazer as coisas sempre com a nossa impressão digital bem clara. Acho que o primeiro disco foi bom pra estabelecer essa digital. A partir disso, a intenção é explorar milhares de possibilidades tentando nunca perder essa essência.
Pedro: Pegando o gancho do que o Marcelo falou, acho que o importante desses diferentes momentos é conseguir variar, mas sem parecer uma colagem de influências, fazer as coisas sempre com a nossa impressão digital bem clara. Acho que o primeiro disco foi bom pra estabelecer essa digital. A partir disso, a intenção é explorar milhares de possibilidades tentando nunca perder essa essência.
Quais as bandas
que mais influenciam o som do BASALT?
Marcelo: De minha parte várias, em especial nisso
que fazemos: Neurosis, Eyehategod, Amenra, Killing Joke, His Hero is Gone e uma
porção de outras.
Pedro: Pra mim a influência nas composições está sempre vindo de um lugar diferente,
às vezes a fagulha pode vir de qualquer coisa. E quando eu digo qualquer coisa,
entenda que pode ser Pink Floyd ou Aviões do Forró. E isso tem zero de ironia,
é tudo música, mas é obvio que depois entra num outro filtro das influências
que eu acho que combinam com a sonoridade da banda mesmo. Aí entramos Black
Metal Noruega, Neurosis, uns Doom romântico tipo My Dying Bride e Warning, umas
coisas mais dissonantes como Death Spell Omega. Enfim, é uma mistura meio doideira,
mas acho que no fim das contas dá certo.
Como vocês
enxergam hoje, o cenário do underground nacional e quais as maiores
dificuldades que, de forma geral, as bandas enfrentam?
Marcelo: Na verdade não vejo como uma dificuldade,
mas diria conseguir que as pessoas te notem. Atuar em nível underground, meio
que já prevê fazer as coisas por si, sem depender de ninguém. Pagar pelo espaço
de ensaio, custear gravação, manter um equipamento próprio, mas tem coisas que
estão fora do nosso controle, como “atrair" público para um show. Acho que
por conta da fragmentação do underground, criaram-se micro cenas especializadas
de todos os tipos de sons possíveis no espectro da música pesada. Dilui o
possível público. Além disso, vivemos uma época de “excesso de informação”.
Toda hora sabemos de algo, temos de ouvir, ver, todo mundo querendo chamar sua
atenção, fica meio “difícil” de algo cativar, trazer interesse. Fora isso, acho
que o “rolê underground” precisa se estruturar mais. Nos últimos anos, muita
coisa avançou positivamente, mas penso que pode avançar mais. Só dando um
exemplo, nosso país é enorme, as distâncias são colossais para se fazer tour,
então acertar em coisas básicas como alimentação, transporte, acomodação. Isso
é importante. Ter uma imprensa um pouco mais aberta e especializada seria bom,
temos blogs, zines, sites que fazem um trabalho sem precedentes divulgando
bandas, mas quando você olha para as bancas de jornal, parecem que as capas das
revistas são as mesmas há 30 anos. Não sei se pelo público geral ser
“conservador” demais ou por uma preguiça editorial sem precedentes.
Vamos finalizar
nossa conversa e gostaríamos que mandassem um recado aos fãs do grupo e aos
amantes do estilo musical que vocês executam.
Pedro: Apoiem do jeito que vocês puderem as
bandas que vocês curtem, seja comprando material, seja colando nos shows ou o
que estiver ao seu alcance, qualquer tipo de apoio faz diferença. Quanto ao momento
da banda, estamos trabalhando nas músicas para o nosso segundo Full, que, se
tudo ocorrer como imaginamos e planejamos, será gravado ainda neste ano e
devemos voltar a fazer shows nos próximos meses.
Foto da banda:
Leandro Furini
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